Esse é um texto traduzido, publicado originalmente na revista Forbes e possui autoria do astrofísico Ethan Siegel

Uma parte do Campo Ultra Profundo do Hubble totalmente em luz visível e no ultravioleta próximo
Uma parte do Campo Ultra Profundo do Hubble totalmente em luz visível e no ultravioleta próximo, a imagem mais profunda já obtida. As diferentes galáxias mostradas aqui estão em diferentes desvios para o vermelho [1] e distâncias, e nos permitem entender como o Universo está se expandindo hoje e como essa taxa de expansão mudou ao longo do tempo. Créditos da imagem: NASA, ESA, H. Teplitz and M. Rafelski (IPAC/Caltech), A. Koekemoer (STScI), R. Windhorst (Arizona State University), and Z. Levay (STScI)

Nosso universo observável é um lugar enorme, com cerca de dois trilhões de galáxias espalhadas pelo abismo do espaço por dezenas de bilhões de anos-luz em todas as direções. Desde a década de 1920, quando demonstramos pela primeira vez, inequivocamente, que aquelas galáxias estavam bem além da extensão da Via Láctea medindo com precisão as distâncias até elas, um fato chamou a atenção: quanto mais distante uma galáxia está, em média, mais sua luz será severamente deslocada para a parte vermelha e terá um comprimento de onda longo no espectro.

Essa relação, entre o desvio para o vermelho e a distância, parece uma linha reta quando nós a traçamos: quanto mais longe você olha, maior é o desvio para o vermelho do objeto distante, em proporção direta um ao outro. Se você medir a inclinação dessa linha, você obtém um valor, conhecido popularmente como a constante de Hubble. Mas na verdade não é uma constante, uma vez que muda com o tempo. Aqui está a ciência por trás do porquê.

Uma ilustração de como os desvios para o vermelho funcionam no universo em expansão
Uma ilustração de como os desvios para o vermelho funcionam no universo em expansão. À medida que uma galáxia se torna cada vez mais distante, a luz emitida por ela deve viajar uma distância maior e por um tempo maior através do Universo em expansão. Em um Universo dominado por energia escura, isso significa que galáxias individuais parecerão acelerar em sua recessão, mas também que haverá galáxias distantes cuja luz está nos alcançando pela primeira vez hoje. Créditos da imagem: Larry McNish of RASC Calgary Center, via http://calgary.rasc.ca/redshift.htm

Em nosso Universo, a luz simplesmente não se propaga simplesmente através de um espaço fixo e imutável, chegando ao seu destino com as mesmas propriedades que possuía quando foi emitida pela fonte. Em vez disso, [a luz] deve enfrentar um fator adicional: a expansão do Universo. Essa expansão do espaço, como você pode ver acima, afeta as propriedades da própria luz. Em particular, à medida que o Universo se expande, o comprimento de onda da luz que passa por esse espaço é alongado.

Se o espaço estivesse se expandindo a uma taxa constante e imutável, isso explicaria exatamente um valor constante e imutável da “constante de Hubble”. Se você, como um fóton, viajasse duas vezes a quantidade de espaço (ou, equivalentemente, pelo dobro do tempo) como um fóton mais próximo, seu comprimento de onda seria duas vezes maior — comparado ao fóton mais próximo.

Gráfico mostrando a relação entre distância e desvio para o vermelho para galáxias distantes
A relação entre distância e desvio para o vermelho para galáxias distantes. Os pontos que não estão exatamente na linha devem-se a leve incompatibilidade às diferenças nas velocidades peculiares, que oferecem apenas ligeiros desvios da expansão geral observada. Os dados originais de Edwin Hubble, usados ​​pela primeira vez para mostrar que o Universo estava se expandindo, encaixam todos na pequena caixa vermelha no canto inferior esquerdo. Créditos da imagem: Robert Kirshner, PNAS, 101, 1, 8–13 (2004).

No Universo real, a relação não é tão simples quanto esta história, e por uma boa razão: as galáxias fazem mais do que ficar em um Universo em expansão. Além disso, elas são afetadas pela atração gravitacional de todos os outros objetos que estão causalmente conectados a elas, puxando-as em uma variedade de direções diferentes em uma variedade de velocidades diferentes.

A sensação de que a luz de uma galáxia parece mais desviada para o vermelho quanto mais longe está de nós é verdadeira apenas no geral; para qualquer galáxia individual, haverá um desvio para o vermelho ou desvio para o azul adicional sobreposto a ela. Esse sinal extra corresponde ao movimento da galáxia em relação ao próprio tecido do espaço, algo que os astrônomos chamam de velocidade peculiar. Além dos efeitos do Universo em expansão sobre a luz que viaja através dele, os movimentos individuais das próprias galáxias — um desvio Doppler [ou efeito Doppler] — afeta cada ponto de dados individuais que medimos.

Uma parte bidimensional das regiões excessivamente densas e insuficientemente densas do Universo perto de nós
Uma parte bidimensional das regiões excessivamente densas (vermelho) e insuficientemente densas (azul/preto) do Universo perto de nós. As linhas e setas ilustram a direção dos fluxos de velocidade peculiares, que são os impulsos gravitacionais e puxam as galáxias ao nosso redor. No entanto, todos esses movimentos estão embutidos no tecido do espaço em expansão, portanto, um desvio para o vermelho ou desvio para o azul medido/observado é a combinação da expansão do espaço e do movimento de um objeto observado distante. Credito da imagem: Cosmografia do Universo Local — Courtois, Helene M. et al. Astron. 146 (2013) 69

Mas a expansão do espaço não é apenas um fenômeno observacional; foi prevista teoricamente antes de ser realmente vista. Ainda em 1922, um cientista soviético chamado Alexander Friedmann encontrou uma solução muito especial para as equações que governam o espaço-tempo na Teoria da Relatividade Geral de Einstein.

Friedmann percebeu que se você assumisse que o Universo era, nas maiores escalas, tanto isotrópico (significando que era o mesmo, não importando em que direção você estivesse) quanto homogêneo (significando a mesma densidade, não importando onde você estivesse), então era possível derivar duas equações únicas — as equações de Friedmann — que governam o Universo.

Uma foto do Ethan Siegel no hiperwall da Sociedade Astronômica Americana em 2017, junto com a primeira equação de Friedmann, à direita
Uma foto minha no hiperwall da Sociedade Astronômica Americana em 2017, junto com a primeira equação de Friedmann, à direita. A primeira equação de Friedmann detalha a taxa de expansão de Hubble (ao quadrado) no lado esquerdo, que governa a evolução do espaço-tempo. Crédito da imagem: Instituto de Perímetro/Harley Thronson

Em particular, a característica mais importante dessas equações era que um Universo estático é impossível: o Universo deve estar se expandindo (ou contraindo) e, portanto, a luz de objetos distantes deve ser desviada para o vermelho (ou desviada para o azul) de acordo. Essas equações foram posteriormente derivadas por múltiplos cientistas de forma independente: Georges Lemaître, Howard Robertson e Arthur Walker, todos têm seus nomes ligados a vários componentes subjacentes de como essas equações foram obtidas.

Mas a maior característica que você deve notar sobre essa equação é simples: há dois lados, o lado esquerdo e o lado direito. À esquerda está a taxa de expansão do Universo — o que temos chamado de constante de Hubble — e à direita está uma série de termos que correspondem às várias densidades de todas as formas de matéria e energia presentes dentro desse mesmo Universo.

A primeira equação de Friedmann
A primeira equação de Friedmann, como convencionalmente escrita hoje (em notação moderna), onde o lado esquerdo detalha a taxa de expansão do Hubble e a evolução do espaço-tempo, e o lado direito inclui todas as diferentes formas de matéria e energia, juntamente com a curvatura espacial. Esta tem sido denominada a equação mais importante em toda a cosmologia, e foi derivada por Friedmann, essencialmente sua forma moderna, em 1922. Crédito da imagem: LaTeX/domínio público

Agora, aqui está a coisa importante em que você tem que pensar: quando o Universo se expande, o que acontece com uma quantidade como a densidade de matéria ou densidade de energia? A resposta correta é: “depende do tipo de matéria ou energia que você tem”. Por exemplo, à medida que o Universo se expande, seu volume aumenta, mas o número total de partículas dentro dele permanece o mesmo. A radiação, como os fótons, também é esticada para comprimentos de onda mais longos (e energias mais baixas), enquanto a energia escura, que é uma forma de energia inerente ao tecido do espaço, tem uma densidade de energia constante, mesmo quando o Universo se expande.

Conforme o tempo passa, o volume de um Universo em expansão aumenta, o que significa, em um nível básico, que as densidades de energia de todos os componentes individuais combinados não são obrigadas a permanecer constantes. De fato, em quase todos os casos, eles não vão.

Ilustração e gráfico de como a matéria, radiação e a constante cosmológica evoluem com o tempo em um universo em expansão
Como a matéria (superior), a radiação (meio) e uma constante cosmológica [2] (inferior) evoluem com o tempo em um Universo em expansão. À medida que o Universo se expande, a densidade da matéria se dilui, mas a radiação também se torna mais fria à medida que seus comprimentos de onda se esticam para estados mais longos e menos energéticos. A densidade da energia escura, por outro lado, permanecerá verdadeiramente constante se ela se comportar de acordo com o que se pensa atualmente: como uma forma de energia intrínseca ao próprio espaço. Crédito da imagem: E. Siegel/Beyond The Galaxy

Por causa do que as equações de Friedmann nos dizem, sabemos que um Universo com uma densidade de energia maior se expandirá em um ritmo mais rápido, enquanto um com uma densidade de energia menor deve expandir em um ritmo mais lento. Portanto, considerando que a densidade de energia não permaneça a mesma em todos os momentos, a taxa de expansão também deve mudar. A grande questão, de como a taxa de expansão evolui com o tempo, depende inteiramente do que existe dentro do nosso Universo.

Existem muitos ingredientes possíveis que podem existir em um Universo em expansão, e cada um deles evoluirá de acordo com as propriedades únicas inerentes a essa forma particular de energia. A radiação e neutrinos foram os ingredientes mais importantes, em termos energéticos, há muito tempo, sendo posteriormente substituídos por matéria normal e matéria escura como ingredientes dominantes. À medida que nos movemos para o futuro, a energia escura dominará, eventualmente fazendo com que a taxa de Hubble se associe a um valor finito, diferente de zero.

Gráfico de como a densidade de energia muda com o tempo no universo em expansão
Vários componentes e contribuintes para a densidade de energia do Universo e quando eles podem dominar. Observe que a radiação é dominante sobre a matéria durante os primeiros 9.000 anos, mas continua sendo um componente importante, em relação à matéria, até que o Universo tenha centenas de milhões de anos, suprimindo assim o crescimento gravitacional da estrutura. Crédito da imagem: E. Siegel/Beyond The Galaxy

De fato, a parte mais útil da relação entre a taxa de expansão e o conteúdo do Universo é que nos dá um método para sair e medir fisicamente duas coisas simultaneamente:

  1. a rapidez com que o Universo está se expandindo no presente,
  2. e quais são os valores relativos dos diferentes componentes significativos da densidade de energia, hoje e no passado.

Pense desta maneira: a luz que chega aos nossos olhos, hoje, teve que viajar através do Universo em expansão para chegar lá. A luz que chega de uma galáxia próxima foi emitida apenas há pouco tempo, e a taxa de expansão do Universo só mudou por uma pequena quantia naquele tempo. Portanto, o Universo próximo nos dá um controle sobre a atual taxa de expansão. No entanto, a luz que requer uma jornada de muitos bilhões de anos para chegar até nós vai ver a taxa de expansão mudar ao longo do tempo.

Um gráfico da taxa de expansão aparente (eixo y) versus distância (eixo x)
Um gráfico da taxa de expansão aparente (eixo y) versus distância (eixo x) é consistente com um Universo que se expandiu mais rápido no passado, mas onde galáxias distantes estão acelerando em sua recessão hoje. Esta é uma versão moderna, que se estende milhares de vezes mais do que o trabalho original de Hubble. Observe o fato de que os pontos não formam uma linha reta, indicando a alteração da taxa de expansão ao longo do tempo. O fato de o Universo seguir a curva que ele faz é indicativo da presença e da dominância tardia da energia escura. Crédito da imagem: Ned Wright, com base nos dados mais recentes de Betoule et al. (2014)

Ao fazer medições de galáxias em uma ampla variedade de distâncias, podemos determinar qual foi a taxa de expansão (e como ela mudou) ao longo de muitos bilhões de anos. Essas mudanças na taxa de expansão do Universo nos ensinam quais são os diferentes componentes que compõem o Universo, pois toda a luz que viaja através do Universo experimentará a expansão do espaço.

Isso também nos motiva a medir a luz de objetos progressivamente mais distantes e distantes. Se quisermos entender como o Universo se tornou do jeito que é hoje, e como a taxa de expansão evoluiu, a melhor coisa que podemos fazer é medir como a luz desviada para o vermelho se desloca a nós ao longo de toda a nossa história cósmica. Com tudo o que medimos hoje, podemos não apenas reconstruir o que nosso Universo é feito agora, mas do que ele foi feito em todos os pontos do nosso passado.

Um gráfico da densidade da energia de vários tipos de matéria em função do tamanho do universo
A importância relativa de diferentes componentes de energia no Universo em vários momentos do passado. Note que quando a energia escura atinge um número próximo de 100% no futuro, a densidade de energia do Universo (e, portanto, a taxa de expansão) assintota a uma constante, mas continuará a cair enquanto a matéria permanecer no Universo. Crédito da imagem: E. Siegel

O fato de que a taxa de expansão do Universo do Hubble muda com o tempo nos ensina que o Universo em expansão não é um fenômeno constante. De fato, medindo como essa taxa muda com o tempo, podemos aprender de que é feito o nosso Universo: foi exatamente assim que a energia escura foi descoberta pela primeira vez.

Entretanto, a “constante de Hubble” em si é um equívoco. Tem um valor hoje que é o mesmo em todo o Universo, tornando-se uma constante no espaço, mas não é uma constante no tempo. De fato, enquanto a matéria permanecer em nosso Universo, nunca se tornará uma constante, pois aumentar o volume sempre fará com que a densidade (e, a la Friedmann, a taxa de expansão) diminua. Talvez seja hora de chamá-la por seu nome mais preciso, mas raramente usado: o parâmetro Hubble. Seu valor presente também não é constante e talvez deva ser chamado de parâmetro de Hubble hoje. À medida que muda com o tempo, continua a revelar a própria natureza do nosso Universo em expansão.

Notas do tradutor

  1. A tradução literal para redshift (desvio para o vermelho) pode causar confusão ou soar estranha algumas vezes, mas optei por manter a tradução literal por ser intuitiva e ser o termo padrão utilizado nos materiais didáticos. Para quem estiver com dificuldade de entender o conceito, recomendo esse vídeo do professor Jorge Sá Martins, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
  2. Não entendi exatamente a razão do Ethan utilizar o termo “constante cosmológica” nessa parte, uma vez que, tanto na imagem quanto ao decorrer do texto, o mesmo conceito está descrito com o termo “densidade da energia/matéria escura”. Pode ser um erro, mas já entrei em contato questionando-o, se ele responder eu edito e atualizo essa nota.

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