Esse é um texto traduzido, publicado originalmente na revista Forbes e possui autoria do astrofísico Ethan Siegel
Nosso universo observável é um lugar enorme, com cerca de dois trilhões de galáxias espalhadas pelo abismo do espaço por dezenas de bilhões de anos-luz em todas as direções. Desde a década de 1920, quando demonstramos pela primeira vez, inequivocamente, que aquelas galáxias estavam bem além da extensão da Via Láctea medindo com precisão as distâncias até elas, um fato chamou a atenção: quanto mais distante uma galáxia está, em média, mais sua luz será severamente deslocada para a parte vermelha e terá um comprimento de onda longo no espectro.
Essa relação, entre o desvio para o vermelho e a distância, parece uma linha reta quando nós a traçamos: quanto mais longe você olha, maior é o desvio para o vermelho do objeto distante, em proporção direta um ao outro. Se você medir a inclinação dessa linha, você obtém um valor, conhecido popularmente como a constante de Hubble. Mas na verdade não é uma constante, uma vez que muda com o tempo. Aqui está a ciência por trás do porquê.
Em nosso Universo, a luz simplesmente não se propaga simplesmente através de um espaço fixo e imutável, chegando ao seu destino com as mesmas propriedades que possuía quando foi emitida pela fonte. Em vez disso, [a luz] deve enfrentar um fator adicional: a expansão do Universo. Essa expansão do espaço, como você pode ver acima, afeta as propriedades da própria luz. Em particular, à medida que o Universo se expande, o comprimento de onda da luz que passa por esse espaço é alongado.
Se o espaço estivesse se expandindo a uma taxa constante e imutável, isso explicaria exatamente um valor constante e imutável da “constante de Hubble”. Se você, como um fóton, viajasse duas vezes a quantidade de espaço (ou, equivalentemente, pelo dobro do tempo) como um fóton mais próximo, seu comprimento de onda seria duas vezes maior — comparado ao fóton mais próximo.
No Universo real, a relação não é tão simples quanto esta história, e por uma boa razão: as galáxias fazem mais do que ficar em um Universo em expansão. Além disso, elas são afetadas pela atração gravitacional de todos os outros objetos que estão causalmente conectados a elas, puxando-as em uma variedade de direções diferentes em uma variedade de velocidades diferentes.
A sensação de que a luz de uma galáxia parece mais desviada para o vermelho quanto mais longe está de nós é verdadeira apenas no geral; para qualquer galáxia individual, haverá um desvio para o vermelho ou desvio para o azul adicional sobreposto a ela. Esse sinal extra corresponde ao movimento da galáxia em relação ao próprio tecido do espaço, algo que os astrônomos chamam de velocidade peculiar. Além dos efeitos do Universo em expansão sobre a luz que viaja através dele, os movimentos individuais das próprias galáxias — um desvio Doppler [ou efeito Doppler] — afeta cada ponto de dados individuais que medimos.
Mas a expansão do espaço não é apenas um fenômeno observacional; foi prevista teoricamente antes de ser realmente vista. Ainda em 1922, um cientista soviético chamado Alexander Friedmann encontrou uma solução muito especial para as equações que governam o espaço-tempo na Teoria da Relatividade Geral de Einstein.
Friedmann percebeu que se você assumisse que o Universo era, nas maiores escalas, tanto isotrópico (significando que era o mesmo, não importando em que direção você estivesse) quanto homogêneo (significando a mesma densidade, não importando onde você estivesse), então era possível derivar duas equações únicas — as equações de Friedmann — que governam o Universo.
Em particular, a característica mais importante dessas equações era que um Universo estático é impossível: o Universo deve estar se expandindo (ou contraindo) e, portanto, a luz de objetos distantes deve ser desviada para o vermelho (ou desviada para o azul) de acordo. Essas equações foram posteriormente derivadas por múltiplos cientistas de forma independente: Georges Lemaître, Howard Robertson e Arthur Walker, todos têm seus nomes ligados a vários componentes subjacentes de como essas equações foram obtidas.
Mas a maior característica que você deve notar sobre essa equação é simples: há dois lados, o lado esquerdo e o lado direito. À esquerda está a taxa de expansão do Universo — o que temos chamado de constante de Hubble — e à direita está uma série de termos que correspondem às várias densidades de todas as formas de matéria e energia presentes dentro desse mesmo Universo.
Agora, aqui está a coisa importante em que você tem que pensar: quando o Universo se expande, o que acontece com uma quantidade como a densidade de matéria ou densidade de energia? A resposta correta é: “depende do tipo de matéria ou energia que você tem”. Por exemplo, à medida que o Universo se expande, seu volume aumenta, mas o número total de partículas dentro dele permanece o mesmo. A radiação, como os fótons, também é esticada para comprimentos de onda mais longos (e energias mais baixas), enquanto a energia escura, que é uma forma de energia inerente ao tecido do espaço, tem uma densidade de energia constante, mesmo quando o Universo se expande.
Conforme o tempo passa, o volume de um Universo em expansão aumenta, o que significa, em um nível básico, que as densidades de energia de todos os componentes individuais combinados não são obrigadas a permanecer constantes. De fato, em quase todos os casos, eles não vão.
Por causa do que as equações de Friedmann nos dizem, sabemos que um Universo com uma densidade de energia maior se expandirá em um ritmo mais rápido, enquanto um com uma densidade de energia menor deve expandir em um ritmo mais lento. Portanto, considerando que a densidade de energia não permaneça a mesma em todos os momentos, a taxa de expansão também deve mudar. A grande questão, de como a taxa de expansão evolui com o tempo, depende inteiramente do que existe dentro do nosso Universo.
Existem muitos ingredientes possíveis que podem existir em um Universo em expansão, e cada um deles evoluirá de acordo com as propriedades únicas inerentes a essa forma particular de energia. A radiação e neutrinos foram os ingredientes mais importantes, em termos energéticos, há muito tempo, sendo posteriormente substituídos por matéria normal e matéria escura como ingredientes dominantes. À medida que nos movemos para o futuro, a energia escura dominará, eventualmente fazendo com que a taxa de Hubble se associe a um valor finito, diferente de zero.
De fato, a parte mais útil da relação entre a taxa de expansão e o conteúdo do Universo é que nos dá um método para sair e medir fisicamente duas coisas simultaneamente:
- a rapidez com que o Universo está se expandindo no presente,
- e quais são os valores relativos dos diferentes componentes significativos da densidade de energia, hoje e no passado.
Pense desta maneira: a luz que chega aos nossos olhos, hoje, teve que viajar através do Universo em expansão para chegar lá. A luz que chega de uma galáxia próxima foi emitida apenas há pouco tempo, e a taxa de expansão do Universo só mudou por uma pequena quantia naquele tempo. Portanto, o Universo próximo nos dá um controle sobre a atual taxa de expansão. No entanto, a luz que requer uma jornada de muitos bilhões de anos para chegar até nós vai ver a taxa de expansão mudar ao longo do tempo.
Ao fazer medições de galáxias em uma ampla variedade de distâncias, podemos determinar qual foi a taxa de expansão (e como ela mudou) ao longo de muitos bilhões de anos. Essas mudanças na taxa de expansão do Universo nos ensinam quais são os diferentes componentes que compõem o Universo, pois toda a luz que viaja através do Universo experimentará a expansão do espaço.
Isso também nos motiva a medir a luz de objetos progressivamente mais distantes e distantes. Se quisermos entender como o Universo se tornou do jeito que é hoje, e como a taxa de expansão evoluiu, a melhor coisa que podemos fazer é medir como a luz desviada para o vermelho se desloca a nós ao longo de toda a nossa história cósmica. Com tudo o que medimos hoje, podemos não apenas reconstruir o que nosso Universo é feito agora, mas do que ele foi feito em todos os pontos do nosso passado.
O fato de que a taxa de expansão do Universo do Hubble muda com o tempo nos ensina que o Universo em expansão não é um fenômeno constante. De fato, medindo como essa taxa muda com o tempo, podemos aprender de que é feito o nosso Universo: foi exatamente assim que a energia escura foi descoberta pela primeira vez.
Entretanto, a “constante de Hubble” em si é um equívoco. Tem um valor hoje que é o mesmo em todo o Universo, tornando-se uma constante no espaço, mas não é uma constante no tempo. De fato, enquanto a matéria permanecer em nosso Universo, nunca se tornará uma constante, pois aumentar o volume sempre fará com que a densidade (e, a la Friedmann, a taxa de expansão) diminua. Talvez seja hora de chamá-la por seu nome mais preciso, mas raramente usado: o parâmetro Hubble. Seu valor presente também não é constante e talvez deva ser chamado de parâmetro de Hubble hoje. À medida que muda com o tempo, continua a revelar a própria natureza do nosso Universo em expansão.
Notas do tradutor
- A tradução literal para redshift (desvio para o vermelho) pode causar confusão ou soar estranha algumas vezes, mas optei por manter a tradução literal por ser intuitiva e ser o termo padrão utilizado nos materiais didáticos. Para quem estiver com dificuldade de entender o conceito, recomendo esse vídeo do professor Jorge Sá Martins, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
- Não entendi exatamente a razão do Ethan utilizar o termo “constante cosmológica” nessa parte, uma vez que, tanto na imagem quanto ao decorrer do texto, o mesmo conceito está descrito com o termo “densidade da energia/matéria escura”. Pode ser um erro, mas já entrei em contato questionando-o, se ele responder eu edito e atualizo essa nota.
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